Elena Mandarim 
Joana Novaes quer entender os motivos psíquicos que levam alguém a desenvolver obesidade mórbida   Cirurgia bariátrica para redução do estômago, colocação de balões gástricos e remédios que inibem o apetite são alguns exemplos de terapêuticas atuais usadas para tratar a obesidade mórbida. Para a psicanalista Joana de Vilhena Novaes, mais importante do que métodos rápidos e sedutores, é entender por que esse tipo de paciente, particularmente nas classes populares, se torna obeso e que lugar a comida ocupa em sua constituição psíquica e afetiva. Para isso, a pós-doutora em psicologia social integra a equipe do Laboratório de Pesquisas Clínicas e Experimentais em Biologia Vascular (BioVasc), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), onde realiza o acompanhamento psicológico dos pacientes, junto ao serviço médico.
Ali, continua-se propondo a perda de peso gradual, fundamentada na reeducação alimentar e na prática regular de atividades físicas. "Nosso objetivo é reduzir a desistência do tratamento e evitar que o obeso volte a engordar. Nesse sentido, temos tido bons resultados, apesar do tratamento lento e, para alguns, pouco atrativo. Nosso serviço se tornou um diferencial porque o paciente se sente acolhido e termina trazendo outros para a clínica, inclusive familiares", defende a psicanalista, que realiza seu estudo com bolsa do programa de apoio ao pós-doutorado no estado do Rio de Janeiro (PAPDRJ), da parceria Capes-FAPERJ. O BioVasc oferece esse serviço na Policlínica Piquet Carneiro, unidade de saúde da Uerj.
 
   Em seu pós-doutorado, sob a supervisão da pesquisadora e coordenadora do BioVasc, Eliete Bouskela, Joana investiga a relação entre obesidade e trauma psicológico especificamente nas classes menos favorecidas economicamente. "Temos observado que boa parte dos nossos pacientes pertence a uma das comunidades de baixa renda próximas à universidade. A grande maioria teve algum tipo de trauma decorrente, por exemplo, de abuso sexual, testemunho de assassinato dos pais etc. É justamente após essas experiências que eles desenvolvem obesidade, nesses casos sempre acompanhada de depressão e de uma profunda melancolia", diz a pesquisadora. Ela frisa que esses dois estados emocionais são graves problemas psicológicos e contribuem para desistência do tratamento e para a não sociabilidade do paciente. "Meu objetivo é entender por que esse tipo de paciente se torna obeso. Sobretudo, quero compreender as especificidades clínicas do trauma e entender como suas consequências interferem no comportamento psíquico e social desse obeso", resume Joana. 
 
Particularidades do serviço multidisciplinar do BioVasc
 
   Partindo da premissa que a obesidade é uma síndrome plurifatorial, Joana explica que, já na primeira consulta, o paciente é avaliado por uma equipe multidisciplinar, formada por um psiquiatra, um psicólogo, um endocrinologista, um nutricionista, um professor de educação física e três residentes do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe). Como explica a pesquisadora, é traçada uma análise de todo o histórico genético e familiar do paciente, que depois é submetido a exames para verificar doenças associadas à obesidade, como diabetes e hipertensão. Com base nos resultados clínicos, sugere-se um plano de atividades aeróbicas e musculares e se propõe uma reeducação alimentar específica para os hábitos e a rotina do paciente.
 
   Numa extensa análise psicológica, é realizado ainda um psicodiagnóstico e uma cuidadosa avaliação psiquiátrica. "Em alguns casos, prescrevemos só terapia, mas em outros a associamos com medicamentos antidepressivos e ansiolíticos", explica a pesquisadora. Como psicanalista do serviço, Joana indaga sobre as causas e consequências psíquicas da obesidade e também sobre a melhor forma de tratar seus sintomas e promover medidas para prevenir o aumento de seus índices.
 
   Segundo Joana, o método adotado é a psicanálise clássica, ou seja, busca-se a saúde mental por meio do diálogo sistemático sobre as vivências traumáticas. "Falar exaustivamente faz com que os pacientes vivam, por um momento, o luto por suas perdas e traumas, que por vezes são tão dramáticos e violentos. Mas depois daquele momento, eles se tornam aptos a superá-los", explica a pesquisadora.
 
   Se, por um lado, o objetivo da inclusão do atendimento psicológico ao tratamento é aumentar a adesão do paciente ao que foi prescrito e melhorar seu convívio social, por outro, procura-se garantir a multidisciplinaridade. "Agora, oferecemos um serviço biopsicosocial, que pode ser visto também como uma medida profilática. Ou seja, quando uma mãe, por exemplo, muda seus hábitos alimentares, ela diminui a probabilidade de que seus filhos sejam obesos", afirma a pesquisadora.
 
   A pós-doutoranda destaca que a obesidade já se caracteriza como um problema de saúde pública e que atualmente tem-se observado um crescimento de casos já na infância e na adolescência. "A realidade fica mais cruel, quando entendemos que a sociedade demonstra uma clara ‘lipofobia’, que é o medo de engordar associada ao horror à gordura. Isso faz com que a busca pelo corpo perfeito tenha se tornado um sintoma coletivo na atualidade e, por conseguinte, houve aumento do preconceito com quem está acima do peso, mais claramente com que está obeso", resume.
 
   Joana estuda há anos a relação entre o que ela chama de doenças da beleza (compulsão alimentar, anorexia, bulimia, obesidade etc) e o comportamento social contemporâneo das diferentes classes sociais. Como resultado de seu trabalho, ela já publicou dois livros sobre o tema: O intolerável peso da feiúra: sobre as mulheres e seus corpos e Com que corpo eu vou: sociabilidade e usos do corpo nas mulheres das camadas altas e populares. Este último foi também resultado de uma pesquisa financiada pela FAPERJ.
 
  No Brasil, os dados são alarmantes. Uma pesquisa de 2007, realizada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), aponta que 63% da população brasileira estão acima do peso. Os dados ratificam a importância de se ter um eficiente atendimento hospitalar de combate e prevenção à obesidade. "Isso é o que tentamos fazer no BioVasc", conclui Joana.
 
Fonte: FAPERJ