Que o cigarro faz mal, todos já sabem. Mas uma pesquisa desenvolvida na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) alerta para uma perigosa relação, ainda pouco divulgada: o hábito de fumar das mães, durante o período em que estão amamentando, pode desencadear, nos filhos, uma maior propensão à obesidade e hipertensão na vida adulta – ou já na própria infância. O estudo, em ratos, coordenado pela bióloga Patricia Cristina Lisboa da Silva no Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (Ibrag/Uerj), da universidade, sugere que esse desdobramento ocorre por uma série de alterações metabólicas e endócrinas no organismo dos bebês que são alimentados com o leite de mães fumantes (mesmo que elas fumem longe dos rebentos).  
 
   Na lactação, a influência do fumo materno ocorre pela passagem dos componentes tóxicos da fumaça do cigarro pelo leite. “A nicotina do cigarro passa pelo leite materno mesmo algumas horas após o fumo”, explica a professora Patricia Lisboa. De acordo com a pesquisadora, que é Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, as substâncias químicas presentes no cigarro funcionam como “disruptores endócrinos”. Isto quer dizer que elas, quando absorvidas, imitam ou bloqueiam hormônios, prejudicando as funções normais do corpo. “A exposição aos ‘disruptores endócrinos’ pode interferir na síntese, secreção, transporte, metabolismo, ação ou eliminação natural dos hormônios”, diz.
 
Mãe fumante, filho obeso
 
   As consequências adversas dessas alterações hormonais são permanentes e só se tornam evidentes, na maioria dos casos, na vida adulta dos filhos. “Determinados estímulos ocorridos em um período crítico no início da vida, como a gestação e a lactação, podem estabelecer o futuro estado metabólico e hormonal da prole na vida adulta, sendo este efeito denominado programação ou plasticidade ontogenética”, afirma. De acordo com o estudo, as mães que fumam durante o período de lactação estão “programando” seus filhos a desenvolver diabetes, problemas na tireoide e obesidade na maturidade. Estes problemas estão relacionados. Com a tireoide funcionando em um ritmo mais lento, o metabolismo dos filhos desacelera. Daí, é um curto passo para o desenvolvimento da obesidade e, consequentemente, de todas as outras complicações relacionadas a ela, como diabetes e doenças cardiovasculares.
 
A equipe na Uerj: na frente, a partir da esq., Elaine e Cintia; atrás, Ana Paula (esq.), Egberto e Patricia (dir.)   Para investigar essa plasticidade ontogenética, a pesquisadora vem analisando no Laboratório de Fisiologia Endócrina do Ibrag/Uerj, desde 2005, os efeitos da exposição neonatal à nicotina e, mais recentemente, à fumaça do cigarro. Em um experimento desenvolvido com ratos, as mães lactantes foram expostas, isoladamente, à nicotina (um dos componentes tóxicos contidos na fumaça do cigarro, que tem mais de quatro mil substâncias maléficas, como o monóxido de carbono). Depois, elas amamentaram seus filhotes, que passaram por um monitoramento constante do peso corporal e da função endócrina, por meio da dosagem de diversos hormônios.
 
   “Observamos que a nicotina causou alterações em alguns componentes do leite materno, que resultaram em uma predisposição à obesidade nos filhotes, devido às disfunções da tireoide e da glândula adrenal, que é responsável pelas reações associadas ao estresse”, conta. “Isso porque os filhotes receberam, pelo leite, uma concentração aumentada do hormônio leptina [responsável pelo gasto energético do corpo e que controla vários hormônios, inclusive os da adrenal], e menos iodo [fundamental para o bom funcionamento da glândula tireoide]”, completa a pesquisadora. Ela lembra que, apesar de sedentários, os animais tiveram um rígido controle dietético, ou seja, a ração por eles consumida não extrapolou o número de calorias diárias necessárias, o que descarta a possibilidade da obesidade ser causada por esta variável.  
 
   De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em agosto de 2010, mais da metade da população adulta brasileira está acima do peso. A obesidade é uma doença já considerada epidemia mundial, que atinge pessoas de todas as faixas etárias e de países em diversos níveis de desenvolvimento. Nesse contexto, o estudo desenvolvido na Uerj alerta que a prevenção da obesidade e de outros distúrbios endócrino-metabólicos também deve passar por uma mudança comportamental das mães fumantes que amamentam. “Muitas mães retornam ao tabagismo depois do parto e acreditam que fumar longe dos bebês, entre as mamadas, é o suficiente para minimizar os riscos do cigarro. No entanto, isso não basta. As mães lactantes realmente devem interromper o hábito de fumar”, conclui.
 
   A pesquisa, que também contou com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Pesquisa (CNPq), e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo Programa PNPD, rendeu a publicação de oito artigos em quatro renomadas revistas internacionais: Journal of Endocrinology, Life Sciences, Food and Chemical Toxicology e Hormone and Metabolic Research. Além da professora Patricia Lisboa, participam do estudo o médico Egberto Gaspar de Moura, a nutricionista Elaine de Oliveira, as doutorandas Ana Paula Santos Silva e Cíntia Pinheiro (Programa de Pós-graduação em Biociências) – todos pesquisadores da Uerj.
 
Fonte: FAPERJ