Modelo virtual tridimensional de uma cutia e à dir., imagem projetada do esqueleto do animal em movimento, feita com a ajuda das fotos em série tiradas pelas câmera.Uma câmera capaz de registrar até 1.200 frames por segundo. Essa é a mais nova aliada no estudo de biomecânica e cinemática do Laboratório de Zoologia de Vertebrados – Tetrapoda (Lazoverte), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O equipamento – adquirido com recursos do programa de Auxílio à Pesquisa (APQ1), da FAPERJ, e do edital Universal, do CNPq – tem sido utilizado para complementar estudos de biologia, zoologia aplicada, e, em parceria com a Faculdade de Medicina da universidade, também tem auxiliado nas pesquisas em ortopedia. Mais recentemente, a equipe passou a fazer estudos conjuntos com pesquisadores da etologia sobre a locomoção em animais cujas mães tenham sofrido hipóxia no período de gestação para futuras aplicações clínicas.
    "A máquina é capaz de obter 60 fotos por segundo e filmar até 1.200 frames por segundo, o que representa um intervalo de apenas 33 centésimos de milésimos de segundos entre cada imagem. Isso significa que com essa supercâmera, roedores, como cutias, preás, pacas e capivaras, podem ser filmados, e seus mínimos movimentos são captados de forma detalhada, permitindo aos pesquisadores analisarem e procederem a estudos em biomecânica, ou seja, do movimento. Como a câmera possibilita o uso de diferentes velocidades, dependendo do objetivo e do que será captado, pode-se optar por filmar a 600 frames por segundo, com intervalos de 16 décimos de milésimos de segundos entre os frames; e com 300 frames por segundo, com três décimos de milésimos de segundos entre os frames. "Quanto maior a velocidade de captação de imagens, menor é a resolução. Por isso, quando filmamos apenas um detalhe do corpo do animal, como as patas, por exemplo, empregamos 1.200 frames por segundo", explica o coordenador do projeto Oscar Rocha Barbosa, pesquisador do Lazoverte e professor associado do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes (Ibrag) da Uerj.
    Como explica a bióloga Mariana Fiuza de Castro Loguercio, professora visitante da Uerj que também integra a equipe, o Lazoverte vem pesquisando o processo evolutivo de roedores caviomorfos – aqueles que contam, entre outras características, com quatro molares de cada lado da mandíbula, como é o caso de cutias e capivaras. "Ao longo do tempo, temos observado seu processo evolutivo, registrado em algumas modificaçõesfísicas, como a redução das clavículas, a diminuição do número de dedos nas patas e a posição menos flexionada dos membros, no caso das capivaras. Tudo isso está associado a uma tendência cursorial do grupo, ou seja a animais com hábito de corrida", prossegue Mariana. "Com a câmera, podemos observar com muito mais detalhes como essas alterações mudam a rotina do animal, desde a forma como ele corre até como se alimenta", complementa Oscar.
     Com tamanha riqueza de detalhes sobre os movimentos desses roedores, os pesquisadores estão inovando e utilizando a rotoscopia científica, técnica de animação comumente empregada em cinema e agora adaptada a trabalhos acadêmicos. Após a reconstrução virtual do esqueleto do animal, os movimentos são simulados no computador de acordo com as imagens gravadas pela câmera. Esse recurso também será utilizado na área de paleontologia, em parceria com o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Pela observação e análise dos movimentos dos animais, poderemos projetar também como seria a movimentação de animais pré-históricos, a partir da análise de fósseis", explica Oscar.
    Para a medicina, especialmente para a área de ortopedia, o estudo também está sendo útil. Em uma ação cooperativa com o a ortopedia do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe) e o Instituto de Educação Física e Desportos, ambos da Uerj, os pesquisadores estão procedendo, no Lazoverte, a um experimento sobre lesão no tendão de Aquiles. Ratos de laboratório foram divididos em três grupos – os que não foram lesionados, os que estão com lesão no tendão de Aquiles e receberam tratamento placebo e os ratos tratados com anti-inflamatório . Todos os grupos foram filmados, separadamente, à velocidade de 300 imagens por segundo, todos os dias, por cerca de seis semanas até a recuperação. Enquanto o Lazoverte ficou responsável pela coordenação dos estudos dos movimentos nos ratos, a equipe médica do Hupe realizou sua análise clínica. "Com essa pesquisa aplicada, buscamos identificar diferenças no tratamento pós-cirúrgico de lesões no tendão de Aquiles, que, no futuro, poderão ser empregadas em humanos", explica Mariana.
    O Lazoverte também tem realizado pesquisas sobre locomoção de roedores caviomorfos terrestres e fossoriais – ou seja aqueles que são adaptados para escavar o solo –, animais encontrados na Argentina, com colegas pesquisadores da Universidad Nacional de Mar del Plata. "Essa parceria proporcionará estudos inéditos sobre a locomoção desses animais. A convite da Sociedad Argentina para el Estudio de los Mamíferos (Sarem), também estamos escrevendo um capítulo sobre esses roedores sul-americanos, o que para nós está sendo uma forma de reconhecimento da Uerj como centro de excelência no estudo da locomoção animal", entusiasmam-se Oscar e Mariana.
    Além dessas novas parcerias, a equipe pretende usar o equipamento até mesmo em projetos na área de robótica. "Queremos desenvolver pesquisas que facilitem tanto a compreensão quanto o registro histórico no estudo da biomecânica, assim como outros trabalhos que venham a contribuir com a medicina, inclusive a veterinária", finaliza Oscar.