Mauro Velho de Castro Faria

Indicado pelo então Diretor, Prof. Elizeu Fagundes Carvalho, como relator no Conselho Departamental do Instituto de Biologia da UERJ, de 28 de maio de 1996, do processo que propõe a mudança do nome desta Unidade Universitária para Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes, procurei resgatar, como testemunha ocular e participante, a história do nascimento do nosso Instituto. Tentei ser sucinto, ainda que até um livro pudesse ser escrito a respeito, e fiel aos fatos, embora, talvez, algumas vezes, a emoção possa ter-me traído.


Pródomos

Corria o início da década dos anos 70. As disciplinas básicas da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ passavam por um período difícil. Muitos dos antigos catedráticos se aposentavam. Nesta época, a contratação de professores, mesmo que para suprir posição em vacância, era tarefa extremamente penosa. Juntando-se as disciplinas de Biofísica, Bioquímica, Fisiologia, Anatomia, Histologia, Farmacologia, Genética, Microbiologia, Parasitologia e Patologia Geral, seus professores somados contavam-se nos dedos das mãos, sendo suas cargas horárias contratuais semanais de: 6 h (Titulares), 8 h (Adjuntos), 10 h (Assistentes) e 12 h (Auxiliares). A política da Universidade priorizava as obras do Campus Universitário, creio que porque fazer um edifício talvez seja mais fácil do que construir uma tradição de excelência no ensino, na pesquisa e nas interações da Universidade com a Sociedade que a sustenta. Alguns “lunáticos, porém não se conformavam com esta visão e lutavam com denodo. Coragem, sim, pois que vivíamos, então, um estado de exceção, onde desagradar aos poderes era, no mínimo, um ato de destemor. Temos, aqui, que reverenciar o nome de Américo Piquet Carneiro, Professor Catedrático de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas e Diretor do Centro Biomédico, idealizador do Curso de Ciências Biológicas, modalidade médica, na realidade o primeiro criado no Brasil. Piquet Carneiro, foi também o primeiro combatente da resistência, teimosamente lutando pelo tempo integral, pelo desenvolvimento da pesquisa, pela formação de pessoal de alto nível capaz de perenizar seus sonhos. Este trabalho lhe valeu a “recompensa” de um inquérito policial-militar, por proteger “comunistas”!


A idéia de um Instituto de Biologia unificado

Em 1972, por diretiva do Conselho Federal de Educação, era criada uma nova Disciplina na Faculdade de Ciências médicas, a de Biologia Celular, que serviria como alicerce para o estudo das demais disciplinas básicas no âmbito do Centro Biomédico. Fui eu, então Professor Adjunto de Bioquímica, indicado pelo Prof. Roberto Alcantara Gomes para organiza-la. Roberto, a quem eu já conhecia desde os “anos dourados” da década de 50, como Adjunto de Biofísica, tendo, por isto, a delegação do Diretor, Prof. Jaime Landmann, para administrar a área básica da Faculdade de Ciências Médicas. Durante quase dois anos a Biologia Celular foi uma Disciplina de um professor só, usando as instalações da Bioquímica, Biofísica e Histologia. Em 1968, com extinção do Curso de História Natural da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, pensava-se na criação do Instituto de Biologia, que viria a reunir, apenas, as Disciplinas de Zoologia e Botânica e mais a Genética, dentro de uma Unidade Universitária. Com meia dúzia de professores. Roberto Alcantara Gomes, já reconhecido como administrador competente e dotado de impressionante capacidade de trabalho, tinha de ser escolhido para tentar salvar o que já parecia um natimorto. Foi assim, em 1972, indicado Diretor “pró tempore” do novo Instituto, acumulado a Vice-Direção da Faculdade de Ciências Médicas, pelo Reitor Caio Tácito.

Chamou-me Roberto um dia e, para meu espanto, sugeriu a transferência da Biologia Celular para o Instituto de Biologia recém criado. Seus argumentos, como sempre, eram mais do que convincentes; (a) as Disciplinas Básicas da Faculdade de Ciências Médicas, tinham muito poucas chances de crescer em termos de espaço físico (e fisicamente pouco cresceram, até hoje!); já no Campus, no Pavilhão Haroldo Lisboa da Cunha, aonde estava sendo instalado o Instituto de Biologia, a Biologia Celular poderia criar seu espaço, juntamente com a Genética (ambas aí permanecem até hoje); (b) eram reais, ele, como Vice-Diretor, bem o sabia, as minhas reclamações de que as Disciplinas Básicas da Faculdade de Ciências Médicas não tinham condições de enfrentar a concorrência das Disciplinas Profissionalizantes e do Hospital de Clínicas, sendo suas necessidades sempre por último atendidas, quando atendidas. Note-se que as Disciplinas Básicas das demais Faculdades da Área Biomédica, e fora dela também, eram igualmente ministradas pelo ciclo básico da Faculdade de Ciências Médicas, somando 2/3 de suas atividades, sem retorno de qualquer tipo, evidentemente; (c) e, agora, a grande proposição de Roberto: juntar competentemente as peças fracas para formar um todo forte, ou seja, criar a unidade entre a Área Biomédica e a Biológica, dentro de um revigorado Instituto de Biologia, que certamente, teria a massa crítica necessária para lutar e crescer.
A transferência da Biologia Celular para o Instituto de Biologia foi o primeiro passo, e eu, o segundo defensor deste projeto.


A criação do novo Instituto

Ao avaliarmos a estrutura das demais Universidades brasileiras, na época, verificamos que a tendência era a existência de Institutos Biomédicos e de Biologia, separados. Em qualquer caso, porém, nasceram de estruturas fortes, com tradições inquestionáveis. O Instituto de Biofísica da UFRJ, por exemplo, limitado no nome, mas extenso nas suas atividades de pesquisa e pós-graduação. Na UERJ, este não era o caso. Dentro da penúria que vivíamos, mandava o bom senso unir e não dividir. A argumentação lógica de Roberto era convicente e nomes importantes como o dos Professores Américo Piquet Carneiro, Francisco Alcantara Gomes, Hugo Caire de Castro Faria, Ítalo Suassuna, Jaime Landmann, todos antigos catedráticos da Faculdade de Ciências Médicas, deram seu apoio.

O ano de 1974 foi de intenso trabalho, que se prorrogava pelos fins de semana. Era criada a nova estrutura. Propunha Roberto o conceito de Setor como a subunidade do Departamento. Cada Setor, como Bioquímica, Biofísica, etc., era composto \de 7, 10 ou mais Disciplinas ministradas não só para o Curso de Ciências Biológicas, com suas Áreas Biomédica e Biológica (Bacharelado), mas também para os cursos das demais Unidades Universitárias do Centro Biomédico e de outros Centros Setoriais. Eram mais de 75 disciplinas distribuídas em três Departamentos: de Ciências Fisiológicas, de Biologia Celular e Tecidual e de Biologia Animal e Vegetal; a maior parte delas, inclusive as de Ciências Biológicas, adaptadas ao sistema de crédito que se instalava na UERJ. Das Disciplinas do antigo ciclo básico da Faculdade de Ciências Médicas, apenas Anatomia Patológica, Patologia Geral, Parasitologia e Microbiologia, formando o Departamento o Departamento de Patologia e Laboratórios, permaneceram na Faculdade de Ciências Médicas. O primeiro currículo do Curso de Ciências Biológicas surgiu então, adaptado ao sistema e crédito com uma entrada anual, pois não havia condições materiais nem de pessoal para a dupla entrada. Estabeleceu-se, fato inédito, a obrigatoriedade da defesa de monografia no bacharelado.

O ano de 1975 foi o marco da criação do novo Instituto, com a aprovação final pelo Conselho Universitário desta nova estrutura. Roberto fou escolhido da lista tríplice, enviada ao Reitor, como seu primeiro Diretor, com mandato de 4 anos iniciando-se em Março de 1976, ficando eu como seu Vice-Diretor.

A mente incansável de Roberto já ia mais adiante. Pensava e agia além, atacando dois pontos cruciais: primeiro, o recrutamento de professores jovens e competentes que, além das atividades didáticas da graduação, pudessem arcar com o desenvolvimento da pesquisa e segundo, a criação da Pós-graduação. Já no ano de 1975 nascia o I Curso de Especialização em Biociências Nucleares, patrocinado pela Companhia Auxiliar de Empresas de Eletricidade Brasileiras (CAEEB) e pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). A oportunidade do curso era ímpar, pois, no momento, iniciava-se no país a instalação de usinas termonucleares. Havia, porém, grande deficiência de pessoal técnico especializado na área de biologia de radiações ionizantes e de radioproteção. Este foi o embrião de nosso Curso de Pós-graduação em biologia, área de concentração em Biociências Nucleares, o primeiro da UERJ a ser credenciado como curso de excelência, com conceito A, pela CAPES. Hoje, em nossa Universidade, apenas mais um curso está enquadrado neste conceito.

Como Diretor do Instituto de Biologia, agilizou Roberto a outra etapa de sua luta: a criação da Sub-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa, o que se concretizou em 1980, na gestão do Reitor Ney Cidade Palmeiro. Como primeiro Sub-reitor da Sub-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa, Roberto Alcantara Gomes não só abriu caminhos e solidificou o apoio institucional ao desenvolvimento da pesquisa e da pós-graduação como também delineou as bases do Programa de Capacitação Docente, trabalho que continuou a aperfeiçoar quando ocupou o cargo de Vice-reitor.

Se, hoje, verifica-se na UERJ que o número de mestres e doutores tem rapidamente crescido, devemos isto ã sua luta pioneira.

Se o Instituto de Biologia ocupa, e sempre ocupou, na UERJ, posição de destaque na pesquisa e na pós-graduação, também isto devemos a seu incansável labor.

Abria-se a Roberto Alcantara Gomes, logo após seu doutoramento em Biofísica pela UFRJ, todo o caminho de crescimento pessoal como professor e pesquisador no já renomado Instituto de Biofísica da UFRJ. Preferiu, no entanto, o desafio do incerto, a luta por um ideal. E venceu. Venceria muito mais, não fosse seu prematuro desaparecimento em 1991. O brilho da sua luz, porém, nós ainda a vemos, tal qual vemos, através do espaço, o brilho de estrelas já há muito desaparecidas.

Creio que o reconhecimento e a homenagem que nós, antigos e novos integrantes desta comunidade, podemos, no mínimo, prestar, consubstancia-se na adoção do nome de Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes para nosso Instituto.