Priscila Biancovilli
 
 
   A mamografia é hoje a opção mais eficiente para o diagnóstico de câncer de mama, desde que realizada com qualidade. Um trabalho coordenado pelo professor Carlos Eduardo Veloso de Almeida, do Laboratório de Ciências Radiológicas, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), estuda vários aspectos associados ao uso da mamografia no diagnóstico precoce de câncer de mama. A motivação principal surgiu a partir de uma constatação: a falta de qualidade dos exames, com impacto direto na qualidade do laudo. Nesta entrevista concedida ao OncoNews, Carlos Eduardo nos dá um panorama da situação dos mamógrafos no Brasil e como seu projeto busca ajudar a aumentar a eficiência deste exame.


 
Até que ponto a mamografia é confiável?
 
   A mamografia possui um sensibilidade de cerca de 85%. Ou seja, mesmo que a qualidade de todo o processo envolvido seja adequada, ainda assim é possível que cerca de 15% dos exames sejam mal diagnosticados, devido à limitação de sensibilidade do método. Na realidade, observamos que cerca de 30 a 40% das imagens não possuem qualidade suficiente para diagnóstico. Isto significa que micro lesões podem não ser vistas (falso-negativo) ou vermos artefatos na imagem que podem induzir a um diagnóstico falso, gerando um falso-positivo. No primeiro caso, pode-se perder a chance de diagnosticar uma lesão muito pequena com uma chance enorme de cura, enquanto que no segundo caso será causado um estresse psicológico desnecessário, até que uma biópsia confirme a não existência de lesão.
 
   Uma boa imagem de mamografia envolve vários aspectos: equipamento emissor bem calibrado, ou seja, emitindo a quantidade de radiação apenas necessária ao exame; um bom posicionamento da paciente no aparelho com a pressão adequada na sua mama -  de forma a poder visualizar as micro lesões; uma reveladora de filmes com produtos químicos e temperatura controladas; um negatoscópio onde são colocados os filmes com iluminação adequada, e, finalmente, um profissional médico treinado para dar laudos de mamografia. Apenas o negatoscópio e a reveladora são substituídos quando se opta pela mamografia digital.

 
Existe alguma forma de aumentar a eficiência da mamografia? Seu projeto contempla isso?
 
   Sim, nosso projeto contempla a busca da melhoria de todo o processo já descrito, ou seja, desde o equipamento até o laudo final. Para isto, estabelecemos padrões para a medida da quantidade de radiação emitida e usada em cada exame, desenvolvendo um programa de treinamento presencial e a distancia para técnicos, físicos e médicos. Além disso, incluímos um conjunto de vídeos sobre a correto posicionamento da paciente no mamógrafo, desenvolvemos estudos radiobiológicos no nível celular para avaliar o efeito da radiação nos diversos tecidos mamários e finalmente, através de códigos de computação conhecidos como Monte Carlo, usamos um “cluster” de computadores com 192 processadores para estudar a distribuição da radiação na glândula mamária.

 
A mamografia feita atualmente apresenta algum risco à saúde das pacientes? Se sim, quais?
 
Os riscos são de dois tipos:
 
   Exame com resultados errados, em parte por falta de controle da qualidade do processo e falta de pessoal bem treinado. Tal problema representa um grave risco, por levar à perda de oportunidade de curar a paciente precocemente. 
Um outro risco são as doses elevadas de radiação (quando a paciente é submetida repetidas vezes ao exame) especialmente em mulheres jovens, e isso pode ter um papel na produção de tumores. De uma maneira geral os riscos associados ao procedimento são compensados pelos benefícios do diagnóstico precoce. Em pacientes com mais de 40 anos um exame periódico não deve ser evitado por esta razão, mas sim EVITAR repetir os exames por falta de qualidade, neste momento o equilíbrio desejado entre o risco do método e o seu beneficio fica comprometido. 
Como e onde funciona o treinamento presencial e a distância para médicos, técnicos e físicos?
 
   O treinamento presencial já foi realizado em varias regiões do Estado do Rio de Janeiro, com profissionais selecionados pelas secretarias de saúde dos municípios de cada região. O treinamento à distância é feito através de registro no site do programa (http://www.educacaoemmamografia.com.br/), que dará acesso direto. Qualquer profissional pode se cadastrar para ter acesso ao material didático, aos vídeos e à prova de conhecimentos. Até agora, 100 médicos, 100 físicos e 30 técnicos já participaram do projeto.
 

Vocês desenvolvem estudos radiobiológicos para avaliar o efeito da radiação nos diversos tecidos mamários. Como isso funciona?
 
   Foram realizados estudos com duas linhagens de células humanas, uma neoplásica MCF7 e outra controle não tumoral HD2. As células foram irradiadas, com feixes de raios-X, a diferentes doses e profundidades distintas em um simulador de mama, de forma as obter a mesma distribuição de energia de fótons e de elétrons secundários no tecido humano. Foram analisados através de uma técnica de morfologia celular com microscopia de fluorescência, que permite avaliar a presença de micronúcleos e de apoptose. Além disto, realizamos cálculos numéricos usando o método de Monte Carlo, de forma a simular matematicamente o experimento e os processos de deposição de energia no meio biológico.
 
   Os resultados preliminares indicam que o RBE, ou seja, o efeito biológico relativo da radiação usada na mamografia é maior do que o usualmente adotado. Desta forma, existe uma possibilidade de o uso da mamografia sem indicação, em mulheres jovens, aumentar o risco de indução de câncer, uma vez que mamas jovens e densas não fornecem boas imagens de micro lesões.
 

Para mais informações sobre o Laboratório, acesse www.lcr.uerj.br